A viola faz aquele som que só com um acorde já nos
faz chorar. Choro de saudade, saudável saudade. Quem não possui sua música
favorita? Sendo brasileiro, bem provavelmente no repertório pessoal deve ter
uma moda de viola, bem sentida, bem doida. Sementinha, Franguinho na panela,
Saudade de minha terra, Rei do Gado e tantas outras canções que de tão simples
em suas melodias nos remetem a tempos memoriais que vivemos ou então que só
ouvimos falar, mas mesmo assim, nos toca profundamente. A viola caipira é brasileira.
Aquelas dez cordas características são nossas. Existe a grande influência dos
alaúdes ibérico-portugues, usados pelos jesuítas no inicio da colonização. Só
que aquela influência européia se perde quando o caipira brasileiro, aquele que
vivia nos rincões, trabalhava a terra, plantava e colhia e usava o som das 10
cordas para se distrair da labuta do dia, sentado à beira da porta do rancho e
mesmo sem nenhum conhecimento técnico, encantava a família com acordes simples.
Nota de viola sai até mesmo sem posição no braço. Basta raspar os dedos e já
sem tem som para cantar.
São Paulo, Minas Gerais e Goiás carregam a herança mais
genuína da música tocada com a viola caipira. Nestes estados, a vida do campo,
nas fazendas de café e gado, ou mesmo em distantes sítios no interior no século
18, consolidou um estilo de vida muito simples, baseado no trabalho agrícola,
em que toda a família participava. A recreação do fim do dia era ouvir algum
instrumento, como a sanfona, o violão e a viola. Chegando mais pra cá na linha
do tempo, encontramos expoentes da música de raiz, a genuína música caipira.
Tonico e Tinoco, por volta de 1930, saíram da lida do campo e colocaram a
música do interior dentro da casa dos brasileiros. O rádio difundiu uma cultura
particular do povo da roça, as pessoas se identificaram com as letras e também
com o ponteio da viola e do violão. A
música ‘Tristeza do Jeca’ é datada dos anos 1920, foi cantada pela dupla de
irmãos e até hoje faz sucesso e traz aquela sensação de saudade para aqueles que
a conhecem de cor.
Violeiros se tornaram grandes artistas de renome
nacional com a viola. Renato Andrade (1932-2005) foi um dos mais destacados
violeiros do Brasil. Seu estilo era instrumental e serviu de influência para
diversos violeiros do passado e do presente, como Almir Sater, Chico Lobo,
Pereira da Viola e Marcus Biancardini, goiano e virtuoso da viola caipira.
Cantando a música de raiz com a viola, o mais destacado brasileiro é com
certeza o Rei do Pagode, Tião Carreiro (1934-1993). Tião Carreiro
inventou o "Pagode", ritmo que ousou em criar com base na viola e em
seu ponteado particular. As letras de seu “pagode” revelam as particularidades
da vida na roça e da labuta diária do caipira, que longe de ser um incapaz e
analfabeto, em suas letras revelam homens e mulheres de grande capacidade,
subestimados pelos engravatados, ricos e doutores da cidade grande. Podemos
ouvir isso em interpretações majestosas de ‘Cavalo enxuto’, ‘O mineiro e o
Italiano’, ‘Terra roxa’ e tantas outras canções virtuosas, compostas por
pessoas praticamente sem nenhuma instrução escolar, que ainda bem, não estragou
sua capacidade de compor com tanta beleza e simplicidade.
Almir Sater trouxe do Mato-Grosso a vivência do Pantanal e das serras
dos indígenas sua letras comoventes e que são poesias que nos servem de
reflexão, falo de ‘Tocando em frente’, ‘Um violeiro toca’, ‘Terra de sonhos’,
na primeira fase como compositor com Paulo Simões. Ele nunca parou no tempo,
virou ator de sucesso e volta para a música com a mesma facilidade.
Em 2015
Almir Sater e Renato Teixeira, outro mestre, lançaram “AR”, disco premiado
internacionalmente. Agora podemos ouvir o lançamento de 2018, “+AR”, muito mais
música de qualidade e com a eterna viola caipira. Isso sem falar de tantos
artistas que já fizeram sua vida tocando viola caipira, como Liu e Léu, Vieira
e Vieirinha, Pardinho, Cacique e Pajé, Carreiro e Carreirinho, Belmonte e
Amaraí, Daniel, Paraíso, Rolando Boldrin, André e Andrade, Sérgio Reis, Zé
Mulato e Cassiano e tantos grandes nomes da música tocada com a viola no peito,
pertinho do coração. Quem nunca quis ouvir de novo seu pai, sua mãe, um tio, um
primo, um amigo, cantar novamente aquela moda de viola, aquele modão caipira,
que só de lembrar dá aquela saudade dentro da gente. Hoje temos tantos estilos
diferentes de música, mesmo assim naquela playlist nossa, deve ter uma bela
moda de viola, no pen drive, no smartphone, no cd, no DVD, em qualquer mídia, o
importante é que ‘tudo é sertão, tudo é paixão, se um violeiro toca. A viola, o
violeiro e o amor, se tocam’.
Por Arley da Cruz
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